domingo, 14 de outubro de 2007

FONÉTICA E FONOLOGIA. O QUE É ISSO?

2.1. Estudos Fonéticos do Português


Traçarei aqui um breve panorama dos estudos lingüísticos na área de Fonética, Fonologia e Fonêmica. Para tanto, apropriar-me-ei dos verbetes Fonética e Fonologia em http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/F/fonetica.htm. Farei uma ligeira adaptação e refundição do português europeu para nosso português brasileiro.

Na Europa, tomando como referência a Universidade Nova de Lisboa, o Ensino de Fonética tem seguido parâmetros lingüísticos aplicados ao estudo da língua materna. São objetivos da disciplina Fonética os seguintes: a) Reconhecer propriedades da fala, discriminando fonética de fonologia; b) Classificar articulatoriamente os sons das línguas naturais; c) Dominar bases acústicas de classificação dos sons das línguas naturais; d) Reconhecer os mecanismos básicos subjacentes à fonética perceptiva; e) Identificar aspectos fonéticos entoacionais: ritmos, duração e intensidade; f) Identificar e dominar algumas técnicas de análise do material fonético.

Em geral, não há exigência, para os estudos fonéticos, de pré-requisitos. Assim, em termos de conteúdo programáticos os docentes europeus trabalham em sala de aula: 1. A cadeia da fala; 2. Aspectos da fonética articulatória: o aparelho fonador, classificação articulatória e sua relevância lingüística; 3. Aspectos da fonética acústica: o som da fala, bases acústicas de classificação dos sons, técnicas laboratoriais de análise do som; 4. Aspectos da fonética perceptiva: do ouvido ao cérebro; pistas para o processamento segmental; testes perceptivos e 5. Características fonéticas supra-segmentais: propriedades acústicas associadas ao acento e entoação.

A bibliografia compulsada é DELGADO MARTINS, Maria Raquel, Ouvir falar: Introdução à fonética do Português, Lisboa, Caminho, 1988 HARDCASTLE, William J. & John LAVER (eds.), The Handbook of Phonetic Sciences, Oxford, Blackwell Publishers (Blackwell Handbooks in Linguistics), 1999; LADEFOGED, Peter, Vowels and consonants: An introduction to the sounds of language, Oxford, Blackwell Publishers, 2001.;LAVER, John, Principles of Phonetics, Cambridge, Cambridge University Press, 1994 e MATEUS, Maria Helena et al., Fonética, Fonologia e Morfologia do Português, Lisboa, Universidade Aberta, 1990.

Quanto ao método de ensino, são os seguintes procedimentos: aulas teóricas. Aulas práticas: resolução de exercícios, workshop e laboratório. No que toca ao método de avaliação:resolução de exercícios nas aulas práticas. Resolução de exercícios em casa. Teste final. Em Portugal, não falam em cursos de Letras ou Lingüística, mas em cursos de licenciatura em Ciências da Linguagem (Licenciatura).

No que diz respeito aos estudos de fonologia (e fonêmica), os docentes europeus têm procedido de maneira muito semelhante aos procedimentos didático-peagógicos de Fonética. São Objetivos da disciplina: a) Identificar o objeto de estudo da fonologia, reconhecendo a sua base fonética; b) Dominar metodologias para identificação do inventário fonológico das línguas naturais; c) Conhecer as bases de classificação sub-segmental dos sons, aplicando-a para a formulação de regras fonológicas; d) Dominar os instrumentos de análise necessários à descrição e análise do funcionamento da sílaba; e) Descrever e analisar processos de harmonia consonântica e vocálica; f) Descrever e analisar propriedades métricas das línguas, em particular, o acento de palavra e g) Descrever e analisar características fonológicas supra-segmentais.
No referente aos conteúdos de fonologia, eis o programa: 1. O objeto de estudo da fonologia; 2. Inventário(s) fonológico(s) e classificação sub-segmental dos sons.3. Processos fonológicos segmentais: assimilação, dissimilação, inserção, queda, metátese; 4. A sílaba: estrutura interna e restrições fonotácticas; 5. O acento de palavra. 6. Processos de harmonia numa perspectiva auto-segmentai e 7. Hierarquia prosódica e entoação.
A Bibliografia compulsada é : (a) GOLDSMITH, John A. (ed.), The Handbook of Phonological Theory, Oxford, Blackwell Publishers (Blackwell Handbooks in Linguistics), 1995; (b) GOLDSMITH, John A. (ed.), Phonological Theory, Oxford, Blackwell Publishers, 1999; (c) KENSTOWICZ, Michael, Phonology in Generative Grammar, Oxford, Blackwell Publishers, 1994; (d) ROCA, Iggy, Generative Phonology, London: Routledge, 1994 e (e) ROCA, Iggy & W. JOHNSON, A Course in Phonology, Oxford, Blackwell Publishers, 1999
A Fonética é a ciência que estuda as propriedades acústicas dos sons da fala, as condições fisiológicas necessárias para a produção dos mesmos e a forma como estes são percebidos, independentemente das oposições paradigmáticas ou das combinações sintagmáticas que os sons possam estabelecer nas línguas particulares, campo de estudo cuja responsabilidade já é da alçada da fonologia.

A fonética divide-se em três grandes ramos, de acordo com os estádios sucessivos que possibilitam a transmissão de uma mensagem de um locutor para um ouvinte, num ato de comunicação oral. Deste modo, numa primeira fase da elaboração da mensagem, irão intervir os mecanismos de produção da fala, o seja, todas as estruturas anatômicas e as configurações articulatórias fundamentais para a produção de sons, processo este estudado pela fonética articulatória ou fisiológica; numa segunda fase, será necessário analisar a natureza física dos sons produzidos pelo falante, aspecto de que se irá ocupar a fonética acústica; finalmente, numa última fase, há que ter em conta os mecanismos de percepção do ouvinte, cujo estudo se designa tradicionalmente como fonética perceptiva ou auditiva.

Assim, segundo a lingüista Maria Helena Mira Mateus, os objetivos da fonética, enquanto disciplina lingüística, passam não só pelo estabelecimento das “(...) propriedades acústicas, articulatórias e perceptivas (...) que ocorrem nas línguas particulares”, mas também pelo modo como aqueles se relacionam entre si e pelo “(...) entendimento da natureza da relação entre as representações lingüísticas e as representações sonoras” (Fonética, Fonologia e Morfologia do Português, Universidade Aberta, Lisboa, 1990, p.24) .

A fonética articulatória tem contribuído fundamentalmente para a fundação da descrição lingüística, permitindo a classificação dos sons da fala de acordo com o contexto no qual os mesmos são articulados. A classificação mais importante é aquela que distingue as vogais das consoantes, muito embora alguns estudiosos ponham em causa a sua validade, devido à dificuldade em estabelecer uma definição precisa da diferença articulatória entre estas duas classes de sons.
O ramo da fonética acústica tem-se dedicado essencialmente à análise das propriedades físicas dos sons da fala e às correspondências entre traços acústicos e elementos dos sistemas fonológicos das línguas. De modo a concretizar este objetivo, a referida disciplina recorre a métodos de investigação e técnicas instrumentais entre as quais se devem destacar o uso de espectrogramas de sons, nas décadas de 50 e 60, e a utilização de técnicas informáticas de processamento da fala, a partir da década de 70. Importa, porém, frisar que o real interesse da física do som assenta na relação que esta estabelece com os outros domínios da investigação do sistema lingüístico, nomeadamente o articulatório e o perceptivo.

Relativamente ao estudo da percepção da fala, este tem sido desenvolvido com base em diversas técnicas de análise que envolvem as respostas do ouvido, do nervo auditivo e do cérebro aos sons da fala. Segundo o lingüista Peter Ladefoged (1982), dois dos métodos que mais têm contribuído para o avanço da fonética perceptiva são aqueles que se baseiam em experiências envolvendo a speech synthesis e a manipulação do natural speech stimuli. Tais experiências têm contribuído para a construção de um sistema informático cuja função é a produção de respostas adequadas a um vasto leque de dados acústicos, no decorrer das décadas de 80 e 90.

Todo o processo de análise lingüística referido anteriormente pode ser perspectivado de acordo com diversos tipos de estudos fonéticos, tais como a fonética comparada (estudo comparativo dos sons em duas ou mais línguas diferentes), a fonética histórica (estudo da evolução dos sons no curso da história da língua) e a fonética descritiva (análise dos sons de uma língua num momento dado da sua evolução), entre outros.
No que se refere à tradição do estudo da fala e da linguagem, esta não provém da Europa Ocidental, como possa parecer, mas sim da Índia, país onde , entre os séculos VI e II antes de Cristo, diversos escritores tentaram, pela primeira vez, formular uma doutrina de classificação dos sons da fala. Os seus esforços foram continuados por autores gregos , entre os quais se devem destacar nomes como Hipócrates, Aristóteles e Galeno. Os dados reunidos neste período, muito embora fossem inconsistentes e pouco sistemáticos, constituíram a base para o aprofundamento do estudo da fala durante o Renascimento, com a ajuda de figuras como Leonardo da Vinci e Vesalius.

Com a chegada do século XVIII e mais tarde do XIX, os estudos sobre fonética passam sobretudo a relacionar-se com questões sobre a maneira correta de falar, preocupação esta que permitiu o desenvolvimento de uma das teorias mais populares da época – a teoria fonética articulatória clássica – cujo fulcro, em certa medida, encontrou continuidade em algumas teorias fonéticas mais recentes, como a teoria dos traço distintivos de Chomsky e Halle (1968).

Outro aspecto importante que irá marcar as investigações fonéticas a partir deste período será a substituição da natureza qualitativa das pesquisas efetuadas até então por métodos quantitativos mais fiáveis e o crescente contributo de outras áreas científicas, tais como a engenharia electrotécnica, a física, a fisiologia e a psicologia para o estudo da disciplina em questão.

O desenvolvimento da fonética moderna teve ainda como contributo importante a formulação da teoria acústica da produção da fala pelo físico alemão Muller em 1848, graças à qual foi possível relacionar os estádios articulatório e acústico da produção da fala. O aprofundamento desta linha de investigação permitiu a obtenção de resultados importantes, por diversos estudiosos, até a década de 60, resultados estes que viriam a revelar-se o alicerce para o estudo compreensivo das propriedades fonéticas da fala, dotando a fonética com o estatuto de disciplina lingüística autônoma.

Mais recentemente, têm-se vindo a aprofundar outras linhas de estudo da fonética, nomeadamente no que diz respeito à investigação de ponta, apenas concretizada a nível laboratorial (fonética experimental) e à perspectiva da fala como um sistema fisiológico, no qual interagem, de diversas maneiras, as variáveis articulatórias do aparelho vocal (fonética paramétrica).

2.2. Estudos fonêmicos e fonológicos do Português

Ramo da Lingüística que estuda os sistemas sonoros das línguas do ponto de vista da sua função no sistema de comunicação lingüística. Da grande quantidade de sons que o aparelho vocal humano consegue produzir, e que é estudado pela fonética, apenas uma pequena parte é usada distintivamente em cada língua, aspecto que é precisamente desenvolvido pela fonologia. A fonologia obriga, portanto, a um exercício de abstração a partir do nível sonoro das línguas, exercício cujo objetivo consiste na procura de generalizações significativas através da análise de fonemas, segmentos, traços distintivos ou quaisquer outras unidades fonológicas de acordo com a teoria usada.

Esta mesma análise, da qual os estudos sintáticos e morfológicos constituem complementos, determina, por sua vez, a organização de um sistema de contrastes sonoros que permitem, por exemplo, explicitar as unidades fonológicas que distinguem , numa mesma língua, duas mensagens de sentido diferente (veja-se a título de exemplo a diferença fonológica no início das palavras do português – bala e mala).
Muito embora os estudos fonológicos se tenham iniciado num período histórico bastante recuado, a emergência da fonologia como ciência lingüística só ocorre na primeira metade do século XX com o desenvolvimento do estruturalismo nos Estados Unidos e na Europa. Os trabalhos do Círculo de Praga, em particular as contribuições de Nikolai S. Trubetzkoi e de Roman Jakobson, permitiram reconhecer o princípio de oposição fonológica como a base da organização dos sistemas sonoros, ao passo que o estruturalismo americano, no qual se devem destacar figuras como Bloomfield e Edward Sapir, baseou o seu conceito de fonema em critérios essencialmente distribucionistas.

Em 1968, a publicação da obra The Sound Pattern of English de Chomsky e Halle irá constituir uma virada lingüística na orientação dos estudos fonológicos efetuados até então ao introduzir a fonologia gerativa.

Contrariamente à interpretação estruturalista da fonologia como um nível autônomo de descrição lingüística, a gramática gerativa considera e existência de traços fonéticos, fonológicos, morfológicos e sintáticos, pelo que o fonema enquanto unidade básica de descrição fonológica é substituído pelo que se convencionou chamar de distinctive features of a universal character (princípios substantivos universais)

2.3. Novos referenciais teóricos no mercado editorial

Nos últimos anos, tenho acompanhado algumas novidades na área de estudos fonéticos e fonológicos, particularmente os últimos. Citaria, por exemplo, CAGLIARI, Luis Carlos. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática com especial destaque para o modelo fonêmico (Mercado de Letras, 2002). O autor, um dos maiores estudiosos da descrição fonológica, mostra como aprender a refletir fonologicamente a realidade sonora da linguagem humana. No livro, o modelo fonêmico é usado como base paraa reflexão fonológica.

Duas obras têm sido destinadas à sala de aula. A primeira obra que me chama a atenção, pelo seu valor didático-pedagógico, é de FERREIRA NETTO, Waldemar. Introdução à fonologia da língua portuguesa (Hedra, 2001) e mais recentemente, também, dirigida ao publico de graduandos em Letras, temos a obra SIMÕES, Darcília. Considerações sobre a fala e a escrita: fonologia em nova chave (Parábola, 2006). Ambas, permitindo uma boa reflexão sobre o papel da fonologia na escrita ortográfica.

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